Casa Violeta encerra atividades com legado de esperança e recomeço para as mulheres acolhidas
Abrigo chegou a acolher 135 pessoas e foi uma iniciativa do governo conduzida pelo médico e marido do governador, Thalis Bolzan
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Após um ano oferecendo abrigo temporário a mulheres e crianças em situação de vulnerabilidade, atingidas pelas enchentes de maio de 2024, a Casa Violeta encerrou suas atividades na sexta-feira (30/5). O abrigo, que chegou a acolher simultaneamente 135 pessoas, foi uma iniciativa do governo do Estado, conduzida pelo médico e marido do governador Eduardo Leite, Thalis Bolzan, em parceria com a Secretaria de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos (SJCDH), e com a gestão da ONG Me Too Brasil e do Instituto Survivor.
O abrigo funcionou no bairro Rio Branco, em Porto Alegre, no prédio da antiga Escola Estadual Roque Callage, cedido pela Secretaria da Educação (Seduc). O trabalho realizado no espaço foi destinado a mulheres vítimas das enchentes, acompanhadas de filhas com até 18 anos incompletos e filhos com até 12 anos incompletos. Nesse momento, as instalações estão na fase final de desmontagem. Os itens que compunham a Casa – como roupas, mobília, cobertores e brinquedos – foram doados a organizações e continuarão sendo utilizados pela população.

Uma das primeiras e últimas moradoras da Casa Violeta foi Denize Millan, 45 anos, que viveu no abrigo durante os 12 meses de funcionamento. Após ver sua casa, em Eldorado do Sul, completamente submersa pelas águas, foi inicialmente acolhida em um abrigo temporário. Com a desmobilização desse local e sem ter para onde ir, ela foi encaminhada à Casa Violeta. Agora, com o aluguel social garantido, está mobiliando a nova residência e reiniciando a vida.
“O que mais me marcou foram as coisas boas. Nós tivemos cursos, incentivo, cuidados, e isso nos fortaleceu muito nesse momento em que mais precisávamos”, contou Denize. “Aqui encontramos a força para enxergar que não podemos desistir nunca. Apesar de tudo o que passamos, estamos firmes e fortes para recomeçar.”

Percorrendo os corredores e salas da Casa Violeta, agora sendo desmontada, Denize exibia alegria. Cada metro quadrado do local carrega consigo um pedaço de uma história que não será esquecida por aquelas que ali viveram. Para ela, ficarão as lembranças e a esperança de um futuro melhor. “Foi um acolhimento no momento mais difícil. Não vamos esquecer nunca”, disse.
Andressa Ribeiro, 40 anos, moradora do bairro Humaitá, em Porto Alegre, teve seu apartamento atingido pela enchente e permaneceu na Casa por seis meses. Após os alagamentos, passou por diversos locais, desde abrigos temporários até casas de familiares e amigos. Quando ficou sem alternativas, chegou à Casa Violeta acompanhada da filha, Alice, de oito anos. Ela foi a penúltima pessoa a deixar o abrigo, e agora aguarda a reforma de seu prédio ser finalizada, em um apartamento alugado. “Eu nunca imaginei passar por uma enchente, perder minha casa e ainda precisar enfrentar tudo isso com uma criança. Foi um ano duríssimo, mas também de muito aprendizado e acolhimento”, relatou.
Andressa continuou a trabalhar como corretora de imóveis durante toda a sua estadia na Casa Violeta. Durante o dia, a filha era cuidada pelas demais moradoras do abrigo e frequentava uma escola particular em Porto Alegre.

"Minha filha levará para a vida uma história muito bonita. Na escola dela, as colegas perguntavam: 'É verdade que vocês moram em um abrigo?', e eu respondia que sim. Enquanto nossa casa não estiver pronta, moramos lá. Eu contava para as crianças da escola sobre o abrigo, para que elas conhecessem um pouco dessa realidade e vissem que, apesar de difícil, ela existe", disse. "Eu ressaltava para elas que qualquer pessoa pode vir a viver uma situação parecida em algum momento da vida, e que isso não é algo ruim, pois daqui só levaremos coisas boas."
O abrigo ofereceu uma nova oportunidade a cada mulher acolhida. Durante um ano de funcionamento, formou-se ali um grupo empático, unido pelo desejo comum de dias melhores.
“Cada dia conhecíamos uma nova história – no refeitório, na sala, nas atividades. Fomos nos adaptando aos poucos. Eu e a Alice recebemos muito amor, carinho e atenção, tanto das outras mulheres quanto da equipe. Todos davam o seu melhor. Aqui não faltou nada: tivemos comida, médicos, atenção”, compartilhou Andressa.
Implementação da Casa
A Casa nasceu da necessidade de oferecer acolhimento prolongado e assistência especializada a mulheres e crianças em situação de vulnerabilidade. A iniciativa partiu do governador Eduardo Leite, que articulou parcerias para a criação do espaço.

“Enfrentávamos uma situação muito complicada no ano passado. Estávamos preocupados com as condições das mulheres e crianças nos abrigos. Após determinação do governador, visitamos diversos locais e, com o médico Thalis Bolzan, idealizamos a Casa Violeta”, explicou o secretário de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos, Fabrício Peruchin. “Esse projeto só foi possível graças ao trabalho conjunto do Estado e de vários parceiros. Temos certeza de que fizemos a diferença.”
A pedagoga Heloisa Melillo, coordenadora-geral do Projeto Bem Querer Mulheres, veio de São Paulo representar o Instituto Survivor e a Me Too Brasil, ajudando a implementar a primeira Casa de Acolhimento para Refugiadas Climáticas da América Latina. “Infelizmente, as mudanças climáticas exigem novas respostas. Mulheres e crianças são as mais vulneráveis em qualquer tragédia”, afirmou. O desafio era estruturar rapidamente um espaço que fosse mais do que um abrigo emergencial. “Precisávamos de uma resposta com visão multidimensional”, contou Heloisa.

Durante 12 meses, o local funcionou com base em quatro fases simultâneas: implantação, acolhimento, manutenção e emancipação. A primeira focou na adequação do espaço físico; a segunda, na triagem e escuta qualificada das mulheres acolhidas; a terceira, na operação do dia a dia; e a quarta, no planejamento para a autossuficiência das famílias.
Essas etapas foram guiadas por sete eixos: acolhimento físico; segurança alimentar; saúde geral; saúde mental; assistência social; qualificação profissional e inserção no mercado de trabalho; e apoio operacional e logístico.
Durante o período, 135 pessoas foram acolhidas – 78 mulheres e 57 crianças – e 51% apresentavam comorbidades físicas ou mentais. Todas foram encaminhadas a novos lares ou outros abrigos, recuperando sua dignidade e esperança.
“Todas as pessoas são possíveis, não existem pessoas impossíveis”, afirmou Heloisa. “Mesmo aquelas com problemas graves de saúde, dependência química ou transtornos psicológicos puderam receber ajuda. Basta termos as ferramentas certas e uma escuta qualificada para mostrar que todas merecem uma vida digna e respeitosa”, concluiu a coordenadora.
Texto: Ascom SJCDH
Edição: Camila Cargnelutti/Secom