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Baltasar Garzón: “Todas as ditaduras são corruptas por natureza”

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Juiz espanhol que investigou crimes do general Francisco Franco em seu país e mandou o ex-presidente chileno Augusto Pinochet - Foto: Claudio Fachel/Palácio Piratini

Há um revisionismo em voga em diversas partes do mundo quando o assunto são governos autoritários e é preciso combater essa crença. A afirmação partiu do juiz espanhol Baltasar García Garzón, um profundo conhecedor do tema, que participou, na noite desta quinta-feira (3), da Semana da Democracia, em Porto Alegre, promovida pelo Governo do Estado do Rio Grande do Sul. “Há uma tendência atual de negar os crimes cometidos, de pensar que uma ditadura foi branda ou que sequer foi uma ditadura. E isso não é bom”, alertou o jurista para uma atenta plateia que o escutou por quase duas horas e por diversas vezes o aplaudiu em cena aberta.

“Ainda há um silêncio impressionante sobre as ditaduras que gera uma absurda confusão. Precisamos reagir a este tipo de sistema”, pontuou.

Garzón fala com o conhecimento de quem não apenas conduziu o início da investigação criminal contra o general Francisco Franco, que governou com mão de ferro a Espanha entre os anos 1939 e 1975. Ele foi o responsável por mandar para a cadeia o ditador chileno Augusto Pinochet (1998), condenou a torturadores argentinos e prestou consultoria para processos referentes à justiça de transição em países latino-americanos como Equador, El Salvador e Colômbia. Trabalha ainda com a Unesco e com a Corte Interamericana de Direitos Humanos.

Mais do que calar sobre o passado recente autoritário, muitas sociedades tendem a proteger os agressores, ou a achar que “tudo o que fizeram” foi pelo país. “No Chile, muitas pessoas não aceitavam ver se desfazer a imagem de seu ídolo (Pinochet) quando provamos que ele desviou 25 milhões de dólares”.

Essa, na opinião de Garzón, é mais cruel entre todas as falsas imagens geradas sobre os reimes militares. A de que eram honestos e não roubavam. “Todas as ditaduras são corruptas por natureza, na medida em que limitam ou retiram completamente os direitos individuais e coletivos e que tem por regra a impunidade”, alertou.

E foi mais longe, dizendo que todas as ditaduras tem uma motivação financeira. “Sempre há um elemento econômico na repressão: pode ser o tráfico de armas, a extração de recursos naturais, o lucro de grandes empresas. Falamos de crimes das ditaduras contra os opositores, mas esquecemos de levantar a questão do dinheiro”, sublinhou.

Sociedade deve pressionar por verdade e reparação
Baltasar Garzón foi contundente ao afirmar que os estados dificilmente serão os impulsores de um processo de busca pela verdade e pela reparação. “Nunca houve vontade dos estados de solucionar este impasse. A pressão sempre veio da sociedade que lutou e exigiu medidas”.

O maior exemplo para ele estava na primeira fileira da plateia: uma integrante do movimento de Mães e Avós da Praça de Maio, que ao longo de décadas se reuniu diante da sede do governo argentino semanalmente para exigir que se contassem a verdade sobre seus filhos e netos que nunca voltaram para casa após serem presos pelo regime militar. Nos anos 2000, depois da eleição de Nestor Kirchner, o governo argentino enfrentou a questão, inclusive julgando e condenando a militares que comandaram o sistema repressivo do pais como Jorge Rafael Videla – Garzón acredita que o modelo do país vizinho é “lamentavelmente irrepetível”.

Apesar disso, ele considera exemplar o processo de resgate do passado recente levado a cabo em países latino-americanos. “Este é o continente que mais impulsionou a política de memória, justiça e reparação”, elogiou.

Sobre o Brasil, criticou a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de manter a vigência da Lei da Anistia, que proíbe o julgamento de torturadores e militares que cometeram crimes durante o regime, assim como a determinação de não cumprir a sentença ditada pela Corte Interamericana de Direitos Humanos que determina que o Estado permita investigar os crimes cometidos durante a guerrilha do Araguaia. “É um crime de lesa-humanidade que não caduca nunca, e que não pode ser impedido pela Lei de Anistia”, provocou.

Elogiou a criação da Comissão da Verdade, que na sua opinião, não se contrapõe a uma eventual ação de julgamento e condenação dos repressores. “Nenhum país se quebra porque aplica Justiça”, concluiu.

Texto: Naira Hofmeister/Palácio Piratini

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