Oito de março: gênero e hierarquia na Susepe hoje
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Da perspectiva do dia de hoje, Dia Internacional da Mulher, muitas coisas podem ser destacadas sobre o papel feminino no sistema prisional do Rio Grande do Sul, a começar que, historicamente, as mulheres sempre tiveram participação efetiva desde a criação na Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe), em dezembro de 1968.
Atualmente, o cargo mais alto ocupado por uma mulher na Instituição é o de superintendente-adjunta, exercido por Michele Gaudiosa Martins Cunda. Ela, que desempenha a função desde abril de 2021, enfatiza que “as mulheres ocupam um importante papel de liderança na sociedade, o que não poderia ser diferente na Susepe ou na Secretaria”. Já na Corregedoria, Renata Gaspary Salgado é a Corregedora especial, cargo que corresponde à função de adjunto. Segundo ela, “por ser um ambiente predominantemente masculino, trabalhar no sistema prisional torna-se um desafio um pouco maior, pois é preciso mostrar e provar aos outros nosso valor e capacidade, sistematicamente, mas com inteligência emocional e dedicação tudo fica mais fácil”. Com relação às demais hierarquias do órgão central da Susepe, atualmente há apenas uma mulher diretora, Elisandra Minozzo, que dirige o Departamento Administrativo. Para ela, “o sistema prisional, como as demais instituições de segurança pública, possui um ambiente predominantemente masculino, pouco pensado para as mulheres e para as suas necessidades”.
Espalhadas pelo Estado do RS, comandando atividades administrativas mais ligadas à parte operacional, há três delegadas penitenciárias regionais (30% do quadro geral) e 12 diretoras de unidades prisionais (18% do todo). Segundo Samantha Longo, a primeira delegada penitenciária da Susepe, quando assumiu a 8ª Região, em 2019, foi “um desafio muito grande ser a primeira servidora a ser delegada, uma grande oportunidade de representar as colegas em uma instituição historicamente com maior número de homens, inclusive em cargos de chefia”. Por sua vez, Deisy Vergara Petrucci, também delegada desde 2019, respondendo pela 5ª Região, afirma que “é bastante desafiador ser mulher no sistema prisional, mas também muito prazeroso, por poder entregar à sociedade do RS um serviço de qualidade”. Já a delegada da 10ª região, Patrícia Picolotto, há nove meses na função, explica que “uma mulher na hierarquia mostra toda uma mudança de cultura, reflexo de toda a nossa competência e de nossa forma de ser”.
Dentre as várias diretoras de unidades prisionais, Isadora Carlotto Minozzo, que dirige, há quatro meses, a Penitenciária Estadual Feminina de Guaíba, ressalta que “foram grandes os desafios de lidar com as emoções vivenciadas com as primeiras situações de fogo, de motim, e de tratar com colegas que questionavam a nossa competência para gerenciar as situações”. Já a diretora da Penitenciária Modulada Estadual de Charqueadas, Liziane Vezzosi Chequin Pedroso, servidora da Susepe há 20 anos e tendo passado por várias hierarquias intermediárias, considera que “os desafios não são diferentes dos do mercado de trabalho lá fora, tendo as mulheres que demonstrar a sua capacidade todos os dias”.
E tomadas como parte do todo da Instituição, são essas mesmas mulheres que relatam particularidades do seu trabalho cotidiano dentro do sistema prisional. Questionadas sobre como é ser uma mulher que trabalha no sistema prisional e seus principais desafios, responde Elisandra: “os desafios são vários, e, no âmbito administrativo, um grande desafio é conquistar espaços nos cargos mais altos, como chefias e assessoramentos, e ser reconhecida pela competência e aptidão pelos colegas homens e também pelas outras mulheres”. Já segundo Patrícia: “é uma demonstração de garra, de muita luta e competência. São inúmeros os desafios que são superados pela forma como agimos e pela nossa competência, tanto em nível pessoal como profissional”. Samantha, por sua vez, destaca: “tive que desenvolver estratégias, para que, de forma gradativa, meu trabalho fosse aceito, apresentando resultados e trabalhando em equipe”, o que, por outro lado, “foi uma oportunidade de mostrar que é possível, independentemente de gênero, que qualquer servidor pode cumprir a função que quiser, com competência, capacidade técnica e profissionalismo”. Por sua vez, Deisy afirma: “vejo bastante avanço na posição da mulher e na maneira com que os homens se manifestam em relação ao nosso trabalho”.

Especificamente sobre o machismo e a misoginia no sistema, a própria Deisy é quem fala: “nunca senti aversão ou ódio pelo fato de eu ser mulher, mas o machismo está na nossa cultura”, assim, “quando percebo qualquer comentário ou expressão de preconceito, procuro conversar com a pessoa e demonstrar que aquela atitude não condiz mais com os tempos atuais”. Já Renata afirma que: “infelizmente, o machismo é cultural e estrutural, e a misoginia, muitas vezes velada, nos acompanha em todos os lugares. É fundamental acreditar na equidade de gênero e na vontade genuína que temos em mudar essa realidade e, para isso, e preciso uma transformação social bastante profunda e ampla”. Lysiane reitera que, infelizmente, “o machismo, como qualquer preconceito, nem sempre é claro, é velado; portanto, para comprovar sua competência e serem ouvidas, as mulheres têm de falar mais vezes e demonstrar mais compostura do que os homens para se fazerem respeitadas”. Elisandra complementa que a instituição vive um momento de transição, com uma mudança cultural acontecendo: “a compra dos coletes balísticos femininos, a extinção dos estabelecimentos prisionais mistos na 8ª Região, a sala de amamentação e o projeto de confecção dos bioabsorventes são ações que nos enchem de orgulho e sentimento de pertencimento, por saber que estamos sendo vistas como somos, mulheres, com nossas especificidades”, mas aponta que “o machismo se manifesta no dia a dia, de forma institucionalizada e sutil, como na nossa decisão na escolha da roupa para usar no trabalho, por exemplo, na ‘brincadeira’ feita com a colega mulher e não feita com o colega homem, na direção do olhar na mesa de reuniões, etc”.
E em relação à data de hoje, o 8 de março, Samantha destaca que “deve ser um dia de respeito e de fortalecimento da busca pela paridade de gênero, algo que tanto se fala e tanto se busca em tempos modernos, e que numa profissão como a nossa mais necessário ainda se faz”. Já Deisy afirma ser “uma data importante, que merece ser comemorada, mas que se fale das conquistas, para que possamos, cada vez mais, daqui a um tempo, apesar das nossas diferenças, reafirmarmos que somos iguais, pois competência, caráter e capacidade não dependem de gênero”.

Renata afirma que “o Dia Internacional da Mulher possui a finalidade de lembrar as conquistas sociais, políticas e econômicas das mulheres, independentemente de divisões nacionais, étnicas, linguísticas, culturais, econômicas ou políticas” Segundo ela, “a reflexão que podemos ter nesse dia é da importância da nossa força e capacidade que temos em ser e fazer o que quisermos”. Patrícia, por sua vez, considera a data um marco simbólico de luta e de igualdade, pois, segundo ela, “não somos propriedade de ninguém e nem somos melhores e nem piores do que ninguém”. Ela cita ainda uma frase inspiradora, dos direitos humanos e primeira-dama dos EUA, Eleanor Roosevelt, que lhe serve de guia na profissão: “você precisa fazer aquilo que pensa que não é capaz sempre”. Já Elisandra faz questão de afirmar: “Eu tenho muito orgulho em ser parte desse grupo de mulheres fortes e empoderadas que hoje exercem cargos na Susepe e agradeço a todas as que vieram antes de mim, pois deixaram meu caminho mais leve até aqui”. Mas talvez o que mais expresse ainda o momento de hoje, 8 de março, e o papel da mulher na Susepe seja o referido por Lysiane, lembrando Marli Ane Stock, que foi superintendente da Susepe durante três anos, de 2015 a 2018: “melhorou bastante, mas ainda tem bastante a crescer, e a prova disso é que, em mais de 50 anos da Instituição, houve apenas uma mulher no cargo de superintendente; portanto grandes melhorias ainda hão acontecer”.
Confira aqui o vídeo especial preparado para o Dia da Mulher, com depoimentos de servidoras da Susepe.